Carta de Intenções


Temos CORAGEM para lutar e CONSCIÊNCIA de que a realidade contemporânea apresenta desafios para nossa categoria profissional e  outros/as sujeitos/as políticos/as coletivos/as que são comprometidos/as com uma nova sociedade.

Temos, também, a CONSCIÊNCIA do papel político do CRESS, que não se limita à sua formalidade jurídico-burocrática, devendo se pautar nos princípios da democracia, da pluralidade de idéias, do respeito à diversidade  e do fortalecimento e consolidação do Projeto Ético Político do Serviço Social. E isso nos diferencia: a CORAGEM de resgatarmos o protagonismo político do CRESS junto à categoria e aos movimentos sociais, e o fortalecimento de nossa entidade como espaço de debates aberto sobre as questões centrais para a categoria.

Apresentamo-nos para o processo eleitoral apontando perspectivas ideo-políticas que se materializarão em ações cotidianas durante o tempo de gestão do CRESS (triênio 2011 2014), bem como nas relações estabelecidas nos espaços políticos diversos da sociedade e do Estado: movimentos sociais, fóruns, conselhos setoriais de políticas e de direitos etc.

Nosso ponto de partida, em consonância com o Projeto Ético Político do Serviço Social, é de que consideramos a sociabilidade capitalista como imprópria  para a emancipação humana. Isto porque tal sociedade se baseia na exploração do trabalho e gera, em consequência, formas diversas de degradação humana. Como tal sociedade se apresenta permeada de contradições e conflitos, esta deve ser entendida como campo de disputas em que os projetos societários distintos se enfrentam, expressando os interesses das classes sociais em luta.

Sabemos que o projeto profissional é indissolvível de projetos societários, portanto, o desafio é tornar esse projeto um guia para o exercício profissional e articular as dimensões organizativas, acadêmicas e legais que sustentam esse projeto com a realidade do trabalho cotidiano dos/as assistentes sociais. Dessa forma, pressupõe uma leitura das reais condições em que se efetiva a profissão, num esforço de articular o ‘dever ser’ com a objetivação desse projeto, sob o risco de se deslizar para uma proposta idealizada, porque abstraída da realidade histórica. (Marilda Iamamoto, 2009).

Buscando refletir sobre a realidade contemporânea, assistentes sociais presentes no 39º Encontro Nacional CFESS/CRESS, realizado em setembro de 2010, discutiram e aprovaram a Carta de Florianópolis, documento que apresenta a posição do Conjunto CFESS/ CRESS. A carta afirma que se aprofundaram as desigualdades sociais no contexto contemporâneo em decorrência de aumento da exploração do trabalho em “tempos de mundialização”. Nesse contexto, as condições de vida da classe trabalhadora mundial, nos aspectos materiais, sociais, políticos e econômicos, expressam perdas significativas, sobretudo, pelas alternativas do capital para o enfrentamento da crise mundial: maior apropriação do fundo público e manutenção de processos de contrarreformas.

O aprofundamento da exploração do trabalho pelo capital determinou antigas e novas expressões da “questão social” e as possibilidades de enfrentá-las foram recortadas pela contrarreforma neoliberal das últimas décadas: desregulamentação dos direitos sociais, mercantilização das políticas sociais, redução e redirecionamento dos investimentos públicos para gerar maiores ganhos ao capital.

No âmbito da sociedade brasileira, cuja formação histórica foi pautada em ampla desigualdade social e plenamente refletida na imensa concentração de propriedade e de riqueza que se mantém até hoje, produziram-se desafios contemporâneos para a nossa categoria profissional que merecem apurada reflexão teórica e intensos debates.

A “chegada ao poder” de segmentos do campo da esquerda não implicou em avanços estruturais na relação capital x trabalho. No caso dos dois governos Lula, não se rompeu com a hegemonia do capital financeiro em sua modalidade especulativa, inclusive deu continuidade ao consolidar a independência do Banco Central, ao manter as taxas de juros entre as mais elevadas do mundo e não instituir impostos sobre a circulação interna e externa desse capital. Ao mesmo tempo, fortaleceu a aliança com o grande capital exportador, em especial com o monopólio do agronegócio.

Contraditoriamente, esse governo efetivou o bloqueio à ALCA, caminhou para uma política externa independente com prioridade aos processos de integração regional e Sul-Sul, e, principalmente, sinalizou para a reconstrução da capacidade de intervenção do Estado ao frear as privatizações e buscar recompor sua estrutura burocrática com realização de concursos. Com isto, contribuiu para o aumento sistemático do emprego formal e a diminuição do desemprego, ainda que reflitam a fase expansiva do capital no Brasil contemporâneo e, consequentemente, o adiamento dos efeitos da crise mundial.

Reconhecemos, também, avanços importantes em alguns campos das políticas sociais, a exemplo, do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -PRONERA (que inclusive irá implantar um curso de Serviço Social do Campo, na UECE, voltado para lutadores/ as dos movimentos sociais rurais), como, também, avanços na área da habitação, saúde da família, assistência social, além da expansão de outras políticas afirmativas: mulheres, raça e etnia, pessoa idosa e com deficiência, público LGBT, população em situação de rua, dentre outros. Esta luta fortalece a perspectiva crítica do Serviço Social que se revela também neste 39º Encontro Nacional, quando aprovamos, por imensa maioria, o posicionamento pela defesa das políticas de ações afirmativas e das campanhas contra a precarização da educação superior.

Temos a CONSCIÊNCIA, portanto, de que não estamos diante de avanços estruturais e temos a CORAGEM de continuar lutando pela desconcentração da terra e da propriedade, pela redistribuição da renda e da riqueza, pelo fortalecimento e a universalização das políticas sociais, pela ampliação e efetivação de direitos sociais, visando a construção de um Brasil radicalmente democrático no sentido político e econômico.

Neste cenário adverso temos a coragem de lembrar, como Elaine Behring, que “as políticas sociais são concessões/conquistas mais ou menos elásticas, a depender da correlação de forças na luta política entre os interesses das classes sociais e seus segmentos envolvidos na questão.  A luta no terreno do Estado - espaço contraditório, mas com hegemonia do capital - requer clareza sobre as múltiplas determinações que integram o processo de definição das políticas sociais, o que pressupõe qualificação teórica, ético-política e técnica. (Elaine Behring, 2009).

É esse cenário contraditório que se apresenta para o/a profissional de Serviço Social, ora ampliam-se seus campos e formas de atuação, ora limitam-se o alcance e a efetividade do seu trabalho.

O exercício profissional é permeado de tensões entre o direcionamento socialmente condicionado que o/a assistente social pretende imprimir ao seu trabalho concreto e as exigências que os empregadores impõem aos seus trabalhadores assalariados, portanto, surge um clássico dilema “entre a causalidade e teleologia, entre momentos de estrutura e momento de ação, exigindo articular, na análise história, estrutura e ação do sujeito”. (Marilda Iamamoto, 2009).

Nesse processo, o/a profissional apresenta uma relativa autonomia, pois depende da correlação de forças econômicas, políticas e sociais que se materializam nos diferentes espaços sócio-ocupacionais: Estado (esferas federal, estaduais e municipais), nas empresas capitalistas, nas organizações privadas e nas instâncias de controle  democrático. São estes espaços ocupacionais em que os/as assistentes sociais exercem suas atividades cotidianas, lidando com situações vividas por indivíduos, famílias,  grupos e segmentos da classe trabalhadora, que desafiam a ter CONSCIÊNCIA e CORAGEM para fazer do seu trabalho forma de resistência e de defesa da vida e dos direitos.

É preciso ter CONSCIÊNCIA para, em condições de trabalho afetadas com a crescente terceirização, e os rebaixamentos salariais, extensa jornada de trabalho, processo de alienação, massificação, fragmentação dos trabalhadores e da mercantilização da vida, que busca transformar “o cidadão em sujeito de direitos num cidadão-consumidor; o trabalhador num empreendedor; o desempregado num cliente da assistência social; e a classe trabalhadora em sócia dos grandes negócios”. (Elisabete Mota, 2009). Ter CORAGEM para fortalecer as lutas da classe trabalhadora e a organização da sociedade civil nos conselhos e fóruns de direitos e políticas públicas.

Devemos ter consciência das necessárias mediações entre as lutas universais dos/as trabalhadores/as e as lutas específicas da nossa categoria, como a defesa de realização de concursos, melhores condições de trabalho e a luta histórica pela jornada de 30 horas, aprovada pela Lei 12.317/2010, que estabeleceu em 30 horas a jornada de trabalho semanal sem redução de salários.

É preciso ter CORAGEM para fiscalizar as instituições no intuito de garantir o cumprimento dessas lutas, pois cabe ao CRESS efetivar o Código de Ética Profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão e todos os dispositivos legais do Conjunto CFESS/ CRESS, em especial as Resoluções 493/2006 que dispõe sobre acerca das condições éticas e técnicas do exercício profissional e 533/2008 que regulamenta a supervisão direta de estágio em Serviço Social.

Nos últimos anos, ainda que o CRESS tenha avançado em relação à política de fiscalização, com maior número de agentes fiscais e novas condições de trabalho, o alto índice de inadimplência, que representa uma das maiores do país, dificulta ações mais efetivas da nossa entidade. Faz-se necessária a construção de alternativas concretas que promovam a adimplência. Urge ao CRESS identificar as causas dessa inadimplência, debater com a categoria a dimensão política da anuidade e sua importância para a efetivação do conjunto das ações da entidade no tocante à defesa do exercício profissional. A categoria fortalecida pela presença constante do CRESS nos espaços políticos e junto aos movimentos sociais, aliada a uma rede de comunicação efetiva que transpareça as ações da entidade ao coletivo dos profissionais, é uma de nossas estratégias. É preciso ter CONSCIÊNCIA e CORAGEM para superar este cenário.

Temos CONSCIÊNCIA de que somos herdeiros de gerações que tiveram a CORAGEM de lutar contra o conservadorismo, que reivindicaram a participação política e estabeleceram o pluralismo em nossa categoria. Celebramos com todos os/as que protagonizaram as diferentes lutas que hoje comemoramos, tais como: os 30 anos do “Congresso da Virada”, 18 anos do Código de Ética, os 10 anos do Ética em Movimento etc.

Temos CONSCIÊNCIA de que fomos partícipes, sujeitos/as coletivos/as e individuais que, no Ceará e no Brasil, colaboramos para a construção e fortalecimento do nosso Projeto Ético Político Profissional. Portanto, o tempo é de comemoração e de afirmação. O desafio é contínuo e a luta política é incessante. Temos CONSCIÊNCIA que o fortalecimento do Conjunto CFESS/CRESS e das lutas da classe trabalhadora exige-nos CORAGEM! Isto significa um CRESS com protagonismo político e mais próximo da categoria. Precisamos também ter CONSCIÊNCIA e CORAGEM para dialogar com as diferenças, pois acreditamos que “o pluralismo de idéias, que seria o solo da liberdade, não deve ser tomado como campo neutro. Ao contrário. É um campo em que têm lugar diferentes idéias, onde se tem uma direção que seria hegemônica. Portanto, trata-se de um campo de diálogo, mas também de embate de idéias, e não um campo de consenso, onde se tentaria homogeneizar idéias incompatíveis entre si”. (Marlise Vinagre, 1996).

O tempo presente exige, como declara Sâmya Ramos “do ponto de vista subjetivo, a presença nos indivíduos, de um valor ético fundamental, a CORAGEM, que precisa ser lapidada todos os dias. Não se projeta nada sem um solo fértil no qual podemos mobilizar nossa CORAGEM e disposição de luta. Em se tratando dos projetos profissionais, sua construção se consolida nos fóruns de discussão e deliberação;
espaços que garantam a participação democrática de indivíduos de diversas áreas de atuação, de diferentes inserções geográficas e divergentes concepções políticas, ideológicas e teórica”. (Sâmya Ramos, 2009).

Portanto, nossa CORAGEM faz com que não cedamos, jamais, dessas concepções e princípios. Nossa trajetória nos revela, pois temos Consciência para ter Coragem!